Livro: Reconhecimento e Acesso À Justiça (2023)
Tutora do Grupo PET-Direito: Heloísa Fernandes Câmara
Organização: Grupo PET-Direito
Apresentação do livro pela Professora Tutora:
No âmbito do PET Direito, uma das principais atividades é a pesquisa coletiva. Como
grupo norteado pelo princípio da educação tutorial, na qual os discentes devem desenvolver
autonomia em suas atividades, a escolha do tema é feita no ano anterior de forma deliberativa
entre os petianos.
É nessa organização que o tema escolhido para pesquisa em 2023 foi o de
“Reconhecimento e Acesso à Justiça”. Como sempre, o tema é suficientemente aberto para
comportar os interesses e preocupações individuais, e circunscrito para que possamos elaborar um diálogo conjunto e construtivo.
Ao deliberarmos sobre a organização da pesquisa, enfrentamos a primeira questão:
no âmbito do direito, é comum que “acesso à justiça” nos remeta à imagem de uma justiça
judiciária, presente tão somente nos tribunais, e que distingue os grupos sociais somente
pela sua capacidade de acesso ao processo formal e pelos direitos que esse processo viria
a garantir para aqueles que o buscam. Ou pior, acesso à justiça como sinônimo de acesso
ao judiciário, o que levaria as pesquisas a centrar-se na perspectiva processual do direito.
Apesar de não descartarmos tal instrumento como essencial na garantia do acesso
à justiça, ao propormos o tema de 2023, partimos do pressuposto que a Justiça surge nas
mais diversas formas, seja como políticas públicas, tutela jurisdicional e extrajudicial, atividade administrativa e legislativa, manifestações políticas, ou em incontáveis outras formas
de efetivação e promoção de direitos e garantias aos mais diversos povos, ainda que nosso
foco tenha sido pensar em grupos vulnerabilizados.
Para isso, contudo, entendemos como necessária a busca do reconhecimento, se
é que ele existe de fato, de indivíduos que vão para além do indivíduo que é utilizado como
padrão pelos criadores de direito, qual seja: o homem branco cisgênero de classe alta.
A partir dos diálogos propiciados especialmente em nossos encontros de formação,
pudemos pensar de forma crítica o que significa se reconhecer e ser reconhecido pelas instituições. Partindo de autores como Axel Honneth, Nancy Fraser, Judith Butler e outros, a luta
pelo reconhecimento e suas complexidades permeou as atividades e pesquisas do grupo, de
forma a poder pensar o direito de baixo para cima, e como as instituições estatais incorporam
as demandas desses grupos, algumas vezes de forma a propiciar efetivo reconhecimento, de
outras com mostrando falhas e limitações do direito.
O processo de pesquisa começa com a escolha do tema, e nesse ano foi possível perceber como as vivências, sensibilidades e abertura à alteridade moldaram a própria
delimitação do objeto de pesquisa. Sendo um trabalho em duplas, mas em um grupo mais
amplo, as pesquisas foram debatidas coletivamente desde o seu enquadramento, passando pelos pressupostos e marcos teóricos e redação. Ainda que a escrita seja a quatro mãos, a
pesquisa sempre leva uma parte do debate coletivo. As pesquisas tiveram metodologias e
recortes distintos, mas com o ponto comum de conjugar teoria e prática, alguns, inclusive,
com pesquisa empírica.
Frutos da construção coletiva, apresento os capítulos, iniciando pelo texto de
Daniel Paulino Filho e Kamila de Oliveira Fagundes, intitulado Entre o Reconhecimento e a
Redistribuição: a luta pela titulação do território da Comunidade Quilombola Rio Verde
(Guaraqueçaba/PR), em que tratam do processo administrativo e judicial da titulação do território da Comunidade Quilombola. O capítulo explora a importância da titulação para proteção dos direitos quilombolas, retomando os debates constituintes sobre o tema e a tentativa
de esvaziamento da previsão constitucional.
Na sequência, Gabriel Vicente Andrade e Rebeca Dionysio Felix tratam de como o
Tribunal de Justiça paranaense julgou casos envolvendo conflitos de terras. Em Luta por um
Pedaço de Terra no Paraná: a violência institucional ao MST e o seu tratamento no âmbito
do TJPR, os alunos revisitam a trajetória do MST, e quais os direitos envolvidos, para avaliar
o tratamento dado pelo judiciário.
Em O Acesso à Justiça pelos Pescadores Artesanais: das águas costeiras ao alto
mar, Francisco Gubert Garcez Duarte e Giovanna Ribeiro Simões Nunes avaliam a categoria
de pescadores artesanais, seu tratamento jurídico e as dificuldades de manutenção de sua
atividade em decorrência de atividades pesqueiras industriais, além de pontuarem as limitações jurídicas no enfrentamento do tema.
Um conjunto de pesquisas tratou sobre reconhecimento e justiça a partir de preocupações com violência de gênero, seja em sentido físico, seja como violência simbólica.
Em A Liberdade do Reconhecer-se: um estudo acerca da expressão da sexualidade no lócus da militarização do ensino no Paraná, Nara Veiga Borges e Thalison Daniel
Dullius analisam como a sexualidade faz parte da identidade e como a militarização de escolas no Paraná afetam negativamente esse aspecto, uma vez que há cerceamento da liberdade
de ser o que se é.
Em A Figura do Consentimento como Novo Paradigma dos Crimes de Violência
Sexual, Eduarda Villwock e Milena Collaço Martins analisam como o consentimento é tratado
pelos autores e práticas penais em conjunto com o fenômeno da revitimização. As autoras
tratam, a partir da jurisprudência internacional, da necessidade da mudança do critério de
consentimento para a caracterização da violência sexual.
No capítulo Acesso à Justiça e Reconhecimento: análise da violência doméstica
e familiar contra mulheres com deficiência, Júlia Fontes Schmidt Ogalha e Matheus Ideta
Bergamo analisam tema pouco debatido na literatura jurídica, a violência doméstica contra mulheres com deficiência. A falta de dados no sistema de justiça motivou os autores a trabalharem com dados do sistema de saúde para entender o fenômeno e as dificuldades
relacionadas a ele.
Em Inerentemente Irreconhecível: como os agentes da “manosfera” discursam
acerca das mulheres e os resultados materializados do discurso, Gabriela Wilxenski
Rodrigues e Maísa Ribeiro Leone Silva tratam da violência contra mulheres nos discursos
existentes nas redes, uma situação que somente foi reconhecida como violência recentemente e que afeta mulheres e meninas.
Os dois últimos capítulos envolvem o direito animal. Marina Soares Jenisch e Matheus
Henrique Pires da Silva propõem uma análise decolonial em Direito Animal Decolonial: do
epistemicídio à desobediência epistêmica. Já Fernando Maia Eduardo e Mateus Baptista de
Siqueira em Uma Análise Crítica do Atual Acesso à Justiça e Reconhecimento dos Animais
Não Humanos a Partir das Teorias do Bem-Estarismo e do Movimento Abolicionista
Animal, retomam como as teorias da justiça lidaram com o tema animal.
Ainda, em conjunto com a pesquisa coletiva, reforça-se que diversas atividades,
tanto no âmbito da pesquisa quanto do ensino e da extensão, foram desenvolvidas ao longo
do ano letivo de 2023.
Primeiramente, tivemos os encontros de formação, voltados para o público interno
do grupo, brilhantemente ministrados por Mozart Pereira, Victor Romfeld, Taysa Schiocchet
e Kathleen Tie, a quem agradecemos pelo auxílio nos primeiros passos do estudo do tema.
Agradecemos também, em nome do prof. Leandro Gorsdorf, a parceria do grupo de
extensão “Jogo do Acesso à Justiça”, que tem sido muito produtiva e frutífera, e nos ajudou a
começar a iniciativa para aumentar os projetos de extensão dentro do PET Direito.
O Minicurso do PET em 2023 também resultou em encontros ricos, sendo abordado
os temas da Violência Doméstica, amplamente estudado pelos alunos do grupo esse ano,
da Justiça Socioambiental e das Famílias Multiespécie. Agradecemos a nossos palestrantes
Karollyne Nascimento e Janaína Plasido, Katya Isaguirre-Torres e Maria Vitória Fontolan e
Vicente De Paula Júnior e Yuri Lima, que muito contribuíram para o estudo dos temas.
Tivemos também, em conjunto com o lançamento da nossa obra de 2023, uma excepcional apresentação do grupo de teatro do Direito UFPR, a companhia de teatro Insólitos,
que, com um excerto de “O Auto da Compadecida”, trouxeram arte para a nossa discussão
sobre o acesso à justiça.
As tradicionais oficinas de metodologia, que objetivam auxiliar a comunidade externa
com o desenvolvimento da pesquisa, também superaram as expectativas. Agradecemos às
brilhantes falas dos professores da casa Thiago Hoshino, Willian Pugliese, Luis Fernando,
Daniel Hachem, Fabrício Tomio e Priscila Plachá, que trataram com maestria dos temas propostos pelos estudantes do grupo.
Por fim, mas com toda certeza não menos importante, agradecemos a todos que
participaram, tanto apresentando trabalhos como na composição das bancas de avaliação,
da nossa XXV Jornada de Iniciação Científica, que continua sendo importante oportunidade
para todos os estudantes de Direito se desenvolverem no ambiente acadêmico ainda dentro
da graduação.
Curitiba, dezembro de 2023.
Heloisa Fernandes Câmara
Rebeca Dionysio Felix
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