Livro: Direito à saúde: periferia e desigualdade (2024)
Tutora do Grupo PET-Direito: Heloísa Fernandes Câmara
Organização: Grupo PET-Direito
Introdução
A Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua saúde “não apenas como a ausência de doença, mas como a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social” (Segre; Ferraz, 1997, p. 539). Diretamente relacionada com outros direitos, é um dos pilares de vida com dignidade.
Apesar de verdadeiras, as linhas acima não expressam de maneira adequada a relevância do direito, e tampouco a complexidade de sua proteção.
Do ponto de vista de sistema de saúde, a Constituição de 1988 estabeleceu que saúde é um direito social, de todos, dever do Estado e garantido mediante políticas públicas (art. 196). A constitucionalização do modelo de saúde universal foi uma vitória de movimentos sociais e deixou de lado o modelo que vinculava o atendimento à contribuição à Previdência Social, o que deixava milhões de brasileiros sem atendimento de saúde, afetando principalmente os mais vulneráveis – pessoas pobres, mulheres, crianças e idosos.
A criação do SUS – Sistema Único de Saúde –, inspirado no modelo de saúde inglês – NHS (National Health System) –, modificou o panorama nacional ao conferir atendimento descentralizado, universal e igualitário. Hoje é o maior sistema de saúde público do mundo, atendendo mais de 190 milhões de pessoas – 80% delas usam exclusivamente os serviços públicos para qualquer atendimento de saúde. No Brasil há também modelos de atendimento de saúde privado e via saúde suplementar, aumentando a complexidade do acesso, regulação e atendimento de saúde.
Mas para além do atendimento médico, e da perspectiva individual de saúde, é fundamental tratar dos determinantes sociais de saúde (DSS). Os DSS referem-se ao conjunto de acontecimentos, fatos, situações e comportamentos relacionados aos aspectos econômicos, sociais, ambientais, políticos e governamentais, culturais que afetam a saúde de indivíduos e coletividades. Isso quer dizer que a saúde é afetada por conjuntos de fatores que expressam igualdades e desigualdades, usualmente penalizando de forma desproporcional grupos vulnerabilizados. Logo, tratar de saúde implica em enfrentar as desigualdades e construir olhares e práticas de equidade e justiça.
Nesse sentido, o presente livro traz múltiplos olhares sobre o fenômeno da saúde, através das articulações com direito e periferia, esta entendida em sentido amplo de territórios, mas de pessoas e situações vistas como secundárias.
As alunas e os alunos do Programa de Educação Tutorial (PET) construíram suas
pesquisas em 2024 a partir de suas perspectivas e interesses, havendo amplo debate
para que todos tivessem acesso ao conhecimento produzido. O resultado desse livro é a
consolidação de pesquisas comprometidas com a compreensão do mundo em vistas de
sua modificação. A maioria dos trabalhos pautou-se em pesquisa empírica documental que fez com que se conhecessem os caminhos da burocracia na formulação e aplicação de políticas públicas, além da atuação do judiciário em conflitos.
No primeiro capítulo, “Políticas de alimentação adequada no Brasil: a perspectiva ampla sobre o direito à saúde da população em situação de rua”, Bianca Heloise Santoni e Giovanna Ribeiro Simões Nunes tratam das políticas públicas sobre alimentação adequada para pessoas em situação de rua. As autoras relacionam alimentação adequada como parte essencial do direito à saúde e apontam os desafios para a efetivação desse direito à população de rua.
Em “Internação compulsória e transtorno por uso de substâncias: um olhar sobre a legislação e a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Paraná”, Eduarda Villwock e Maria Julia Hornig avaliam como a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná trata dos casos de pedido de internação compulsória por uso de substâncias. O objetivo é avaliar como a legislação que estabelece que a internação compulsória é absolutamente excepcional é aplicada, e como o judiciário analisa a linguagem e situações médicas.
Em “A judicialização da saúde: um caminho desigual para o acesso a medicamentos no SUS”, Fernando Maia Eduardo e Matheus Ideta Bergamo enfrentam o tema da judicialização da saúde, suas premissas e impactos e propõem que o fenômeno pode ser disparador de desigualdades relevantes no acesso à saúde.
Marina Soares Jenisch e Rebeca Dionysio Felix fazem pesquisa no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná para avaliar como tem sido decididos casos relacionados ao dano estético, de forma que tratam os critérios utilizados para sua caracterização, bem como daqueles envolvidos na quantificação da indenização.
Gabriela Wilxenski Rodrigues e Marianna Lage Lourenço Anselmo tratam em “Poder de barganha em condutas (i)lícitas antitruste: qual o papel da teoria do poder compensatório em tabelas de preço médicas”, sobre como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) trata da teoria do poder compensatório no mercado de saúde. A pesquisa ressalta que para além de direito fundamental, o mercado de saúde é uma atividade econômica, com necessidade de regulação.
Em “Repercussões do racismo ambiental no direito à saúde”, Gabriel Vicente Andrade e Milena Collaço Martins analisam como a saúde é afetada pelo ambiente, e como as desigualdades, evidenciadas no racismo ambiental, tem impacto direto no direito à saúde, penalizando de forma desigual as populações pobres e racializadas.
Na sequência, Cristian Mallmann e Mariana Rostyslavivna da Costa Tronenko também partem da relação entre proteção ambiental e direito à saúde. Em “Acordo de paris: dupla ineficácia frente a garantia do acesso à saúde no Brasil”, os autores acompanham como o cumprimento das obrigações estabelecidas no Acordo de Paris (2015) são fundamentais para a proteção da saúde humana, especialmente dos grupos vulnerabilizados.
Em “Corpos que gestam: a violência obstétrica nas intersecções de gênero e sexualidade”, Eloísa Kuster Bauer e Thalison Daniel Dullius tratam das discriminações e violências obstétricas sofridas pela comunidade LGBTQIAPN+. O trabalho evidencia a necessidade de letramento de gênero para profissionais de saúde como forma de proteger a dignidade do paciente, especialmente os com corpos e identidades não normativas.
O livro encerra-se com a pesquisa desenvolvida por Isabela Rocha de Lima e Vittoria dos Santos Marcelino sobre o adoecimento mental que recai sobre mulheres responsáveis pelo cuidado e como a rede de atendimento mostra-se insuficiente, restando a essas mulheres recorrerem às redes comunitárias.
Agradecemos a todas e todos que nos auxiliaram nesse ano a compreender as complexidades que o tema traz e tornaram possível o aprimoramento das alunas e alunos.
Heloisa Fernandes Câmara,
Curitiba, dezembro de 2024.
Acesso o livro na integra: